Acaba Mundo

Acaba Mundo I

Hoje é primeiro de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. O futuro que me prometiam quando eu era novo chegou na forma de uma distopia de migrações forçadas, intolerância, medo nuclear redivivo, retrocesso autoritário, teoria da terra plana e desastre ambiental iminente. Nos últimos dias é de futebol que mais se fala em meu país, e parece que depois de profundo desânimo nos dias que antecederam a copa, o país se uniu enfim para torcer pelo título. Que se unisse para reverter o estado de exceção implantado desde o golpe jurídico-parlamentar, impedir a perda dos direitos trabalhistas e das rendas do petróleo, seria algo bonito de ver, mas não há esperança em vista. Na montanha russa dos últimos dois anos, a indignação se cansa e a indignidade tem livre passo. Pesquisas mostram o perseguido político como líder em intenções, e os golpistas desmoralizados, mas que importa? Segue o tosco teatro do aparato estatal com suas instituições anômalas até para o antigo padrão tupiniquim de arbitrariedade. E as pessoas estão se estapeando nas redes sociais como se tratasse de uma gincana macabra. Debatem-se personalidades, e aspectos geopolíticos do processo pouco são mencionados. O mundo não está muito melhor que o país. Após arrebatar a presidência do país mais poderoso do mundo, Donald Trump tem sido o personagem mais comentado, e mais desprezado no mundo todo. Depois de brincar de guerra nuclear com a Coreia do Norte, depois de enfrentar investigações, Donald está endurecendo a política imigratória, separando famílias, e encarcerando até mesmo quem proteste. Guerras e fome expulsam gente de países na África ou no Oriente Médio, e na Europa a resposta xenofóbica se faz sentir reforçando o clima de Fascismo 2.0, e Duterte nas Filipinas ordena uma matança em nome do combate às drogas ilícitas. Enquanto a China se afirma como superpotência, Estados Unidos e Rússia voltam a se antagonizar, e um conflito de grande proporção já parece possível, se não provável. Mas a seleção tem melhorado no torneio, ao contrário da equipe do Supremo FC, que só tem feito feio, e amanhã enfrentamos o México nas oitavas.

Acaba Mundo II

Hoje são dois de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. O Brasil venceu o México e está classificado para as quartas na copa, Lula continua no cárcere, uma eleição patusca se avizinha e o mundo segue justificando por que nosso tempo já recebeu o apelido de pós-verdade. Não sei se foi a liberdade da internet que conferiu dignidade à boçalidade, ou se a boçalidade sempre teve esse poder latente só aguardando o advento do WhatsApp como um catalisador. Eu me lembro quando você podia conviver com todas as pessoas, e se política fosse eventualmente um assunto qualquer divergência se dissipava tão logo a conversa tomasse outro rumo. Hoje todo mundo precisa caber em um compartimento, e quem não quer ser coxinha ou mortadela acaba sendo isentão, e é cada vez mais difícil sequer conviver com que você sabe que está do lado oposto. Com a direita mostrando as presas era de se esperar ao menos uma esquerda aguerrida, mas nem isso: a maior parte não passa do passionalismo, não se vai às ruas e aposta-se na lisura do judiciário e no processo eleitoral como se tudo estivesse dentro da mais estrita normalidade. Os últimos tempos têm sido uma alternância de apreensão, revolta e resignação impotente. Acaba-se por decidir cuidar do seu mesmo e deixar estourar. E é o que eu faço, lançado agora a um investimento grande de energia em busca de um doutorado, sabendo que o futuro da universidade e da docência no país é tenebroso. Nesse e em outros tantos aspectos, resta torcer para que essa maré histórica obscurantista um dia reflua, para que estas tendências de concentração absurda de renda, trabalho aviltado, esgarçamento social, intolerância e animosidade não venham a espiralar num cenário ainda mais tétrico em poucas décadas. A menos que o mundo acabe.

Acaba Mundo III

Hoje são três de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Virou até piada manjada isso de perguntar pelo meteoro. E olha que dois passaram perto da Terra e não se interessaram por nossa gravidade. É bem mais provável que nossa espécie acabe inviabilizando a vida na superfície do planeta. Muito se fala no aquecimento global, e no que vem adiante. O que é certo é que já lançamos toneladas de lixo e produtos tóxicos na natureza, e não parecemos dispostos a frear esse modo de vida predatório, bem ao contrário, ele se expande. O conceito de desenvolvimento segue atrelado a pujança econômica e a qualidade de vida segue sendo medida em automóveis por habitante. Muito embora a responsabilidade pelos impactos seja em alguma medida coletiva, as grandes corporações são as responsáveis mais diretas, e seu poder global não para de crescer, tornando nanicos os governos (ou os derrubando para implantar nanicos, como ocorreu aqui), e isso não enseja muito otimismo. Talvez a última esperança seja que o petróleo se esgote e tudo se reorganize, seja com novas tecnologia ou com menos tecnologia e uma vida menos artificial. Por enquanto, nada de meteoro, nada de fim do mundo. E nada de democracia. Outro dia eu precisei comprovar regularidade com a justiça eleitoral para renovar o passaporte. É de se sentir ridículo. Comprovo que votei na eleição que foi revertida por um golpe parlamentar. Conseguiu-se alçar um juizeco a herói de uma campanha moralizante que na prática se configura como uma perseguição; procuradores também buscam sua dose de celebridade, anunciam jejum pela prisão de um ex-presidente. O pior de tudo é que a farsa pode ser grotesca à vontade, não há sequer a necessidade de fingir isenção para esses agentes públicos. E, como disse Rui Barbosa, a ditadura do judiciário é a pior de todas, pois contra ela não há como recorrer. O Brasil nunca viveu nada tão bizarro, um desarranjo institucional tão profundo, e é otimismo pensar que desdobramentos dessa ruptura não vão reverberar por décadas. A menos que venha o meteoro.

Acaba Mundo IV

Hoje são quatro de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Os Estados Unidos devem estar tendo o pior Dia da Independência desde a guerra civil e o mundo todo está em crise de abstinência num dia em que não há jogos da copa. A política local não parou, no entanto, de fornecer asneiras durante o torneio. Empresário-candidato dizendo que o país é socialista, procuradores fazendo insinuações sobre os ministros do supremo, não que estes sejam lá dignos de muito respeito, mas você sabe, a liturgia e tal. Eu já frequentei a casa da Mãe Joana e era um estabelecimento muito mais digno do que este arremedo de Estado que temos. Para piorar, alguma força misteriosa, que não me surpreenderia se tiver a ver com os Koch ou os Mercer, alçou um parlamentar boçal, expulso do exército, a líder local da onda fascista. Hoje ele se escondeu no banheiro para fugir de impropérios vindos de uma mulher. Eu devia fazer do Brasil um reality show e vender no mundo inteiro. Fico perdendo tempo com Shakespeare, que não dá audiência. No plano externo, Obrador venceu no México, um suspiro para a esquerda mas um novo temor de interferência americana, enquanto a justiça do Equador manda prender o Correa em outro exemplo claro de lawfare, ou guerra judicial. Enquanto o poder dos Estados Unidos declina, sua última cartada é apertar na América Latina. Na Europa, a Itália anuncia perseguição aos Roma, a Polônia acaba de passar por manobras de cunho autoritário, e a Alemanha anuncia os primeiros campos para imigrantes. O processo fascista vai ganhando velocidade. Os generais linha-dura de Trump parecem dispostos a atacar o Irã, e o próprio Trump insiste em invadir até a Venezuela, causando constrangimentos. A situação do nosso vizinho é difícil, em grande medida pela sabotagem externa, ainda que o governo não seja inatacável. A Argentina passa por outra implosão e muita dureza é de se esperar na nação um dia tão orgulhosa. E nós aqui, eta nóis, Lula preso por um processo farsesco com o único objetivo de tirá-lo da eleição, e até a manutenção dos direitos políticos da Dilma em 2016 está sendo questionada, à medida que ela se aproxima do senado. Eu fui muito crítico do PT no poder, mas hoje, ante essa perseguição bizarra, eu preciso ser solidário. E hoje é um cenário de tanta paixão que um tanto de gente se deu conta da fria do golpe mas não pode defender o PT de forma alguma então ficam calados. Mesmo os que têm bastante razão em suas queixas são quase sempre passionais demais. E vai seguindo essa nau dos tolos, rumo a um sabe-se lá que pode ainda ser bem pior do que hoje.

Acaba Mundo V

Hoje são cinco de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Jeff Bezos é o homem mais rico do mundo e eu continuo comprando do site dele. Por aqui, os livros estão na maior parte esgotados e custando caríssimo no mercado de usados. O livro nunca fez sucesso no país, mas agora está mesmo morto. Enquanto isso, tem gente que ganha grana pra falar besteira no youtube, e pior que besteira, disseminam discurso de ódio e racismo. Como o rapaz que falou merda na copa e disparou dias de enxovalho. Eu acho positivo que os racistas se sintam intimidados, mas essa tendência ao linchamento, a uma obsessão coletiva pode não terminar bem um dia, como aquele caso dos torcedores constrangendo uma russa, em que já estavam combinando de receber um dos babacas no aeroporto. Eu ultimamente na verdade nem gosto de opinar sobre nada. Quando foi a greve dos caminhoneiros, mesmo, eu me resguardei de me posicionar entre o apoio que muita gente deu na base do “pelo menos fizeram alguma coisa” e a acusação de locaute. No fim foi um tremendo aborrecimento que não trouxe vitória consistente, pois os preços vão seguir flutuando, e ainda serviu de pretexto ao governo ilegítimo para fazer mais cortes. Pré-śal sendo entregue e Embraer abocanhada pela Boeing, nacos da Eletrobras prontos pra ser doados pelo preço mínimo de um automóvel, tudo durante a copa. Amanhã é a Bélgica pelas quartas. Mas ainda dá tempo do mundo acabar.

Acaba Mundo VI

Hoje são seis de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Ou acabou, ao menos um pouco, já que o Brasil foi eliminado da copa. Encontramos na Bélgica um adversário com muita disciplina tática, reagimos com jogadas previsíveis e aconteceu até gol contra. Eu não falo mal da copa por convicção política, nem acho que esse assunto fora do caminho vamos todos nos conscientizar sobre o assalto realizado aos recursos e às empresas do país, sobre o funcionamento anômalo das instituições, especialmente do judiciário, e vamos agir de acordo, mas eu quase acho bom que o Brasil não vá adiante na competição. Ou no mínimo é indiferente. Eu acho bom que haja esse grande catalisador das energias que é o futebol, embora eu mesmo esteja desligado há um tempo. Agora é por essas energias no projeto de doutorado, que, não acabando o mundo, deve me ocupar nos próximos dias.

 

Acaba Mundo VII

Hoje são sete de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Talvez devesse. Não vejo o mundo melhorando muito no meu tempo de vida. Essa sensação de chão sumindo que já dura dois anos vai se revelar na verdade permanente. O absurdo vira paisagem, a vida segue, até o próximo absurdo, generais ameaçando são o novo normal e por aí vai. Depois deste derretimento institucional, o país precisa de duas décadas e gente muito bem intencionada para se por de pé. Do outro lado do espectro, um longo período de arbítrio e violência estatal não está nem de longe descartado. E na grande selva das redes sociais, o que ganha audiência é a asneira do outro, o comentário ofensivo, de modo que é a tosquice que faz a pauta. Muita gente que se opôs ao golpe agora satisfeita em falar “bem feito” aos que apoiaram. Uma gincana macabra. E na Espanha, onde censurar obras de arte por blasfêmia já ficou corriqueiro? Até na Holanda, onde eu sempre considerei que vivia gente de cabeça boa, um fascista quase venceu outro dia. Seria o fim do mundo mesmo. Aqui no Brasil é diferente. O fascismo é cordial. É um fascismo de sala de estar e corrente de whatsapp, e ele vem de fato em dois sabores. Um deles configurou a onda pelo impeachment, demonizando o PT à moda Goebbels (ou Globo), contando com uma classe média ressentida e organização profissional financiada de fora. O outro sabor é aquele mais específico, que idolatra um perfeito imbecil representante do orgulho de ser troglodita, e ajuda a circular uma ideologia abertamente autoritária. E isso é o pior, pois, mesmo não vencendo, esse discurso vai ter uma vitrine permanente agora. Mas se o fascismo de outrora tinha uma arrogância marcial, nosso fascismo é histriônico, e ofende fazendo troça. É o fascismo no país dos memes. Assim como a pizza, o sushi e tantas outras coisas, a gente faz o fascismo do nosso jeito. Acaba mundo.

Acaba Mundo VIII

Hoje são oito de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Mas passou bem perto, com a guerra entre magistrados pela soltura ou prisão de Lula. A bola está rolando ainda, e se as chances de que prevaleça o habeas corpus são pequenas, ao menos terá distraído um pouco num domingo sem futebol. Um desembargador plantonista acolheu um HC para Lula, Moro e Gerbran (TRF-4), de férias, entraram no circuito como se enquadrassem um insurreto, iniciando uma guerra de decisões que mantém vivos os comentários. Não sendo especialista, achei a argumentação do HC frágil, afinal Lula deve ser solto porque nada se provou contra ele, não por tecnicalidades. De qualquer forma, havia um rito para questionar a decisão que não fosse o rolo compressor de Sérgio Moro e seus superpoderes tão misteriosos. Ele atravessou numa ordem que não o envolvia, desrespeitando o princípio, ademais esquecido faz tempo, que juiz não age de iniciativa própria, mas apenas quando instado, quebrando a hierarquia e tudo mais. Confesso que olho tudo de cima com um sorriso irônico mais do que indignação. A indignação não tem como ficar nos níveis máximos por tanto tempo. A gente vai se acomodando, vai ficando cínico. Sabe que se marcassem protesto, eu nem sei se iria. Respirar gás e depois ser vilificado na cobertura da mídia, sem mudar uma opinião? Como se fosse uma festinha de indignação impotente? A coisa é grande, é estado de exceção e eles não costumam simplesmente pedir perdão pelo inconveniente e sair de cena. Ainda por cima, é difícil apontar os problemas institucionais, porque vão atribuir suas queixas a uma paixão específica, e segue todo mundo entrincheirado com nosso futuro como nação no fogo cruzado. O governo joga contra, sabotando o ensino para garantir mais estupidez. Fala se o mundo não devia acabar?

Acaba Mundo IX

Hoje são nove de julho de dois mil e dezoito e mundo não acabou. O Brasil vive a ressaca do HC abortivo do Lula, lamenta-se ou celebra-se, e segue-se adiante rumo a sabe-se lá. São Paulo tem feriado local, a tal da revolução. Hoje eu soube que Israel está armando neonazis na Ucrânia e que Trump advoga contra a amamentação. Até o Macron na França tá querendo se tornar o tirano da baguete. Um grupo terrorista na África proíbe sacolas plásticas e o PCC no Brasil quer política afirmativa para mulheres. O PCC aplicou a eficiência paulista ao crime organizado, deixando os comandos cariocas no chinelo, e se espalhou até o norte. Se pensarmos que há um elo aparente da organização com o PSDB paulista, que por sua vez tem um elo aparente com o Departamento de Estado gringo, aí temos mesmo vários níveis de banditismo voltados contra nós. Eu nem deveria acrescentar que PCC também tem elo aparente com as igrejas neopentecostais, que a meu ver têm seu elo aparente com o sionismo, deixa isso de lado. Vai levar tempo colar de volta este país. Não dizendo que tenha sido inatacável, mas há uma grande diferença entre uma bicicleta que anda mal e uma bicicleta que não anda. E por que falar mal só das instituições? O povo tá uma merda. Tá uma seleção de não passar da primeira fase. Sei que vão me acusar de vira-lata, de pessimista, mas há números e exemplos mostrando nossa indigência intelectual. Orwell dizia que um povo que não sabe escrever não sabe pensar, e outros vão pensar por ele. É o que acontece hoje. Eu não vou dizer assim que a literatura seria a solução, mas olha, ajudaria bastante. Difícil imaginar todo mundo lendo hoje, quando a vida passa pelo smartphone e há distração constante. Então eu sigo minha insignificante trajetória e o mundo, se quiser, que acabe.

Acaba Mundo X

Hoje são dez de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. A copa entrou nas semi-finais com a vitória da França sobre a Bélgica. Os rapazes tailandeses foram resgatados da caverna onde estavam presos, e tiveram que dividir as atenções com um bilionário idiota tentando se promover oferecendo supostas soluções ultra-tecnológicas. Esse cara é perigoso, cultiva paranoia, é um demente com dinheiro pra fazer o que quiser, e já andou lançando carro no espaço a troco de nada. Tem se comentado como os super-ricos  têm se preparado para o “evento”, o grande colapso ambiental-social-civilizacional, para garantir a boa vida. Estamos bem perto disso, mesmo, uma espécie de fim-de-mundo que vai trazer não a cessação de tudo, mas um mundo pós-apocalíptico inabitável. Como diz o Zappa: “it won’t blow up and disapear, it’ll just look ugly for a thousand years”. Será que no fim vão espocar bombas atômicas? Tipo, cansei, vamos tocar o foda-se e ver o que acontece? As tensões geopolíticas são crescentes, e em pouco tempo a questão com a Coreia do Norte vai parecer uma bobagem. Será que acaba? Ou vai que os caras que escreveram a Bíblia sabiam mesmo o que estavam falando e vem aí o juízo final? Bilhões de vivos e mortos, imagina quando vão chamar sua senha! Eu não sei. Talvez alguém um dia isto acabe sendo lido por alguém que não viveu estes dias, e o exercício é mesmo esse, então acompanha comigo: nas farsescas eleições de 2018, em que umas vinte personalidades já propuseram e retiraram sua candidatura (e o favorito foi preso para não vencer), há um certo ultracapitalista completamente tapado, que outro dia reclamou dos “cem anos de socialismo” no Brasil, e acaba de receber para sua campanha uma música de uma ex-celebridade igualmente tapada, um tal Latino, algo na linha de “arrocha com Flávio Rocha”. E o pior é que isso está longe de ser o pior, há coisa muito mais escabrosa. Mas é um índice da indigência intelectual que se tornou “fashionable” desde o advento de MBL e quetais, grupos financiados de fora para fomentar a indigência mental orgulhosa de ultra direita. Então, acaba ou não acaba?

Acaba Mundo XI

Hoje são onze de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Ou será que acabou? Porque escolas no país mais rico e poderoso no mundo estão ensinando isto aí, que humanos vestidos no saldão da Macy’s conviviam com dinossauros. Lá também há um parque temático para mostrar uma reconstrução em tamanho natural da Arca de Noé. Um tio crente acredita que os dinossauros foram extintos por não caberem na arca. Pois se nem o meteoro eliminou os humanos, nem o dilúvio, que diabo será que pode acabar com o mundo de uma vez? Enquanto isso a Croácia garantiu a vaga na final contra a França, virando o jogo na prorrogação pra cima da Inglaterra num bom jogo. A França bem que merece, mas eu torço pela Croácia desde 98. E é isso, eu acho. Aqui na terra estão jogando futebol. Eu sempre achei que ele falava do planeta. O que é engraçado porque o destinatário estaria necessariamente fora da Terra, na Lua, em Marte ou algo assim. Aliás, boa alegoria para criticar uma ditadura, esta: falar sobre a Terra como se de outro planeta. Se o mundo não acabar eu escrevo.

Acaba Mundo XII

Hoje são doze de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu sigo perdendo tempo demais com redes sociais. Sigo me aborrecendo com certos comportamentos mas sigo voltando. Um desses comportamentos é dedicar um bocado de tempo e dar um tanto de exposição a declarações reprováveis, que faz você só ver o que é ruim e repetidas e repetidas vezes. Outro é o infantilismo, o espírito de gincana macabra, some-se aí o passionalismo que atrapalha o raciocínio, e o que se tem são ilhas de sensatez num oceano de baboseira, por mais uma piada ou outra possa ser boa. Acho que só agora mesmo estamos descobrindo o que é ter uma realidade virtual em paralelo com a física. E não sei se a soma final foi positiva. Mesmo não saindo dessas porcarias. Eu mal comecei esta série e já vi que começo a me repetir. Quer saber, foda-se. Primeiramente porque nunca ninguém vai ler esta merda mesmo. E também porque… Bem, porque ninguém vai ler esta merda é o suficiente. Eu digo por que comecei a escrever esta série. Eu pensei que tempo atrás eu costumava sempre comentar os acontecimentos, e nestes tempos em que os acontecimentos são enormes, bizarros, eu só vinha publicando sonetos fora de qualquer realidade. Então me deixem comentar estes tempos loucos a meu modo e torcer para que sejam um desvio e não só o prenúncio da nova norma. Acaba mundo.

Acaba Mundo XIII

Hoje são treze de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. E a quase soltura de Lula segue reverberando, levando a insanidade de sempre a paroxismos tão ridículos quanto preocupantes. O juiz que concedeu HC vai ser punido com aposentadoria compulsória, e a PGR, que está ganhando proeminência no processo inquisitorial, quer mesmo devassar seus telefonemas, e aparentemente mandou a PF interrogar os parlamentares que peticionaram, além de elogiar Moro, que agiu fora da lei. Se o judiciário não se incomoda com o menor verniz de legalidade, como esperar que uma mídia engajada não se sinta livre para construir uma narrativa sem amparo em códigos, ou mesmo em fatos. Sem falar da eterna Rede Globo, veículo oficial do imperialismo ianque, um site do Estadão, outrora uma sisuda publicação, me sai com uma estranha “notícia” de que Lula tinha plano de fuga caso “escapasse” – curiosamente a fuga incluía um churrasco do MST em Curitiba antes do refúgio em São Bernardo. A fonte? O Noblat, outra besta quadrada que se intitula jornalista. Eu vou votar no meteoro. A PGR a quem me referi é uma sinistra criatura de olhos de gelo, que curiosamente é casada com o diretor da Escolas das Américas, órgão americano de ingerência geopolítica. Eu dirigi para ela quando trabalhava no MP, e tenho uma anedota. Ela entra no carro com outra dondoca, pede que vá ao STJ, desce. Após uma espera longa, ela entra no carro e pergunta meu nome, emendando: “Você tem algum problema na cabeça?” Eu fiquei desconcertado, mas o espírito não me falhou e eu atalhei: “Eu tenho vários, mas prefiro uma conversa mais objetiva. Aconteceu alguma coisa?”. E a bruaca: “Por que você tem que dirigir de chapéu?”. Pois vá a senhora pra casa do chapéu.

Acaba Mundo XIV

Hoje são quatorze de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. A copa também não acabou, mas acaba amanhã. Hoje a Bélgica garantiu um honroso terceiro lugar. Trump é recebido com protestos em Londres. Coisas “inusitadas” seguem acontecendo no mal disfarçado estado de exceção brasileiro. Uma organização supostamente da “sociedade civil”, mas com vínculos apontados com gente boa como os irmãos Koch, peticiona à justiça eleitoral para anular o candidato favorito-preso em definitivo. E não sai nem uma nota sobre o que prevê a legislação a respeito, nem sobre o direito da entidade à petição nem sobre a pretendida punição antecipada. De arrancar os cabelos então é a nova investida da turma fascista do MPF-DoJ (Department of Justice, a PGR americana), capitaneada pelo insípido Dallagnol sempre ávido de holofotes, buscando agora não dez, mas setenta medidas contra a corrupção. A primeira tentativa já foi apontada como cerceamento do direito de defesa, imagina o que virá no novo pacote. O discurso da corrupção, sempre vago e com ênfase na moral, não na ética, suscita mais ira do que raciocínio no público desde sempre mantido no nível mais superficial dos fenômenos, o nível do debate de personalidades. E ficam todos completamente satisfeitos com a própria indignação difusa, ou canalizada convenientemente, como é a Lula e PT agora, celebrando o suposto civismo de sua própria ignorância. Políticos declarados de esquerda, que podiam perceber esse mecanismo e ir além, prosseguem a litania moralista e apontam dedos. Ainda piora antes de melhorar. Se melhorar. Vamos esperar para ver como se desenvolve essa falsa eleição, o calvário do Lula e a final da copa do mundo, que eu comento amanhã. Se o mundo não acabar.

Acaba Mundo XV

Hoje são quinze de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Estou gostando cada vez mais desta série. Ela responde a um incômodo que eu sentia, uma vez que no passado a Leosfera teve uma fase de comentários políticos, e agora que o circo pega fogo eu não dava mais pitacos. Como se pitaco estivesse em falta no mercado, mas vá lá, se eu conseguir completar o ciclo de 365 paragrafinhos como este, estarei deixando um testemunho destes tempos insanos através de olhos ainda mais insanos. Meu legado ao oblívio. E sim, hoje se decidiu a copa, então aproveito para dedicar algumas linhas ao evento como um todo, antes de deixar isso pra trás de vez. Antes de mais nada, fantástico uma final com seis gols. A França de Mbabbé mereceu  pela campanha toda, pela fibra desses rapazes em sua maioria descendentes de imigrantes africanos, e a Croácia de Modric deve sair satisfeita pela bela campanha e pela final inédita. A Bélgica de Hazard também foi bem com seu terceiro, igualmente a melhor campanha deles. A copa por um lado teve poucas jogadas bonitas, mas por outro teve apenas um zero a zero e alguns jogos foram emocionantes. Nesta copa, a Argentina estava desmanchando, e Messi confirmou sua fama de só jogar bem no clube. O Uruguai jogou muito, com Cavani e Suárez, e o Muslera, que foi recebido com festa mesmo após o frango. O irritante futebol inglês chegou até onde pôde, mesmo com o artilheiro “hurricane”. A Alemanha foi motivo mundial de piada caindo na primeira fase, e em último no grupo. O Brasil não tinha um time tão bom quanto pensava e ainda não superou essa história de depender de atuações brilhantes de uma estrela. Precisa haver humildade e levar a teoria a sério. Jogar por encantamento não existe mais. Neymar se destacou… por virar chacota com suas simulações. Coutinho jogou bem no início, depois sumiu, e o centro-avante Jesus não fez um único milagre. Fora isso, eu provavelmente só vou dar atenção a futebol daqui a quatro anos. A menos que… você sabe.

Acaba Mundo XVI

Hoje são dezesseis de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Quer dizer, acabou de certa forma, já que a vida na Terra se tornou insuportável de tantas maneiras. Não bastasse o aquecimento global, a luta pelos recursos escassos levou a um governo global totalitário como nunca se vira. Eu tive a sorte de ser incluído na missão de colonização de Titã, e aqui ajudo no que posso e tento cultivar uma horta. As crianças já se acostumaram. Nos meus últimos dias no meu próprio planeta, eu sofri a perseguição da Governança Global, e é por isso que esta nova vida, ainda que difícil, é para mim um alívio. Quando na Terra, eu cheguei a ser governante, e tentei promover mudanças e ajudar os mais sofridos. Mas ficou claro que a Governança Global não quer o bem estar da população, afinal aquele que está desesperado pela sobrevivência nunca questiona nada. E deu-se que minha sucessora, indicação minha, foi derrubada por uma manobra e eu mesmo passei a ser perseguido judicialmente para que não concorresse novamente. Eu vi as instituições criadas para promover justiça agindo em concerto para promover uma injustiça, o ordenamento jurídico global virar farrapos. Recebo notícias da Terra. Meu amigo disse que estão jogando futebol. Que bom. Espero que a Terra possa ter dias mais tranquilos. Por enquanto é construir a vida em Titã e torcer para que não nos atinja nenhum meteoro.

Acaba Mundo XVII

Hoje são dezessete de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Mas vai acabar pelas mãos de Donald Trump mais cedo ou mais tarde. Ontem ele se encontrou com Putin. Eu mesmo nunca entendi essa história de interferência da Rússia nas eleições americana. Não desce. Será o Trump um saboteur a mando de Putin? Depois de ontem, parece até crível. O crível já não precisa ser verossímil. Os americanos estão possessos, classificando de alta traição o voto de confiança que Trump deu a Putin, que desacreditou seus próprios órgão de inteligência. Em tese, um presidente americano buscar laços com a Rússia é muito positivo. Mas a história toda soa estranha. Tropas americanas não estavam se acumulando na fronteira russa outro dia mesmo? Acho que ninguém explicou Trump o suficiente, e não sei se alguma revelação um dia vai esclarecer tudo. De qualquer forma, mesmo tendo a Rússia feito parte da guerra cibernética para influenciar a votação, há que se considerar que ele teve um número expressivo de eleitores (menor que a oponente, verdade), e o que se deve investigar é a psicologia envolvida que faz os cansados do velho sistema o rejeitem por algo pior, desde que isso lhes dê a sensação de “reagir”. Acho que já dei meu palpite. Talvez esta seja apenas a inevitável fase de decadência que acomete todo império. Agora, se esse império vai desmoronar sem lançar mão de sua potência bélica é matéria de conjectura. O temido confronto com a Rússia, estará superado? Dificilmente. A China está se afirmando e há tensões em suas águas territoriais. A Europa está atordoada tentando se agarrar à “parceria” antiga com o outro lado do Atlântico, mas suas próprias questões, como o Brexit, a insolúvel crise migratória, e o fascismo se espalhando, deixam-na em constante risco de fragmentação e mesmo da volta de conflitos dentro do continente. De volta aos EUA, há grande chance de Trump ser defenestrado se pisar muito fora da linha, mas Trump não é sozinho o problema: parte expressiva da população se brutalizou a ponto de esposar abertamente o racismo, e de modo geral a sociedade deles está claramente doente, com epidemias de suicídio e consumo de opiáceos. Sabe-se lá onde dá isso. Por ora só podemos torcer para que o mundo não acabe. Ou para que acabe logo, fica a seu critério.

Acaba Mundo XVIII

Hoje são dezoito de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Mas acontece um tanto de coisa que é o fim do mundo. Em Palmas, um vereador mandou mudar o nome da Creche Arco-Íris por achar que promoveria a homossexualidade. O tal do Escola sem Partido foi aprovado em algumas cidades, um estado, e corre o risco de se tornar nacional. E segue o barco. Ontem falei que não entendia o elo de Trump com a Rússia. Pois vi um documentário holandês e agora está claro que as relações dele com a máfia russa são antigas. Como ele chegou lá é um fenômeno interessante, não muito diferente de Hitler antes dele, é claro. O clima dos últimos dias aponta uma destituição em breve. Voltando ao Brasil, vou pôr duas questões e tentar responder. É fascismo? É ditadura? Definir o fascismo sempre foi difícil, e não contribui para a análise a banalização do termo, a qual Orwell já indicava. Mas se considerarmos que se tratou de uma reação conservadora passional, instigada pela elite, inimiga do comunismo, com um apelo belicoso e anti-intelectual, tudo isso acontece aqui, e aparentemente no mundo. É o que explica o Trump. A crise de 1929 levou ao original, e a de 2008 ao Fascismo 2.0, é simples. Então sim, vivemos numa espécie diferente de fascismo, uma que lembra muito aquela de 1984, em que há uma figura de arqui-inimigo, Lula-Goldstein, mas não há um grande líder, o Grande Irmão sendo uma entidade difusa. Isso já é meia resposta para a segunda pergunta, mas é preciso dizer que após ruptura democrática estamos sempre em uma ditadura. Eu por um tempo costumava me despedir com “abaixo a ditadura”, logo na época do golpe, mas vi que ia conseguir no máximo a fama de excêntrico. É para ter o poder e dele abusar que se dá golpe. Hoje as instituições brasileiras funcionam no regime de pós-verdade, e quando todo tipo de arbitrariedade é esperável do próprio aparato legal o nome disso é ditadura. Estão muito tímidos esses opositores do golpe que não empregam esta palavra com todas suas letras e implicações.

Acaba Mundo XIX

Hoje são dezenove de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Ai que preguiça, diria o herói sem nenhum caráter. Eu falo do Macunaíma, não do Moro, alguém que não entendeu a ironia do epíteto. Desanima, sabe? Moro está sendo Moro, o teleguiado o DoJ para praticar lawfare por aqui, o mau sendo mau (e mesmo a idolatria a ele esboroa, mostrariam as pesquisas se as houvesse). O problema é ver a população apatetada, trocando tapas em brigas comezinhas, mesmo que por causas mais do que justas, passionalmente pedindo condenação, absolvição, canonização ou suplício, baseando-se quase sempre em nada mais do que suas preferências pessoais. Mesmo estando “certos” em cada disputa, estamos “errados” de nos perder na superfície de uma sucessão de pequenas e grandes polêmicas. A direita deita e rola, porque a cortina de fumaça nem é preciso produzir, já que se produz a si mesma com sobras. Aos que se dizem esquerdistas, qual é o ponto central de todo esse processo, senão a ruptura democrática? Se é uma guerra de narrativas, à medida em que o poder dos golpistas em fabricar a realidade tem se enfraquecido, caberia aos partidários da tese de golpe alienar o mínimo de pessoas, formar pontes com quem não era apoiador do PT, talvez tenha até entrado na ciranda de ódio, mas hoje começa a perceber o que está acontecendo. O que vemos nas redes vindo de petistas são piadinhas sobre coxinhas arrependidos, dedos apontados pras falcatruas tucana, escárnio sobre o Psol, que denunciou o golpe ab ovo, e um misto ódio, troça e medo em relação a Bolsonaro. E isso circula numa bolha, prega-se para os convertidos. O PT, que já em 2016 mostrou seu costumeiro “pragmatismo” aliando-se nas municipais aos algozes com a ferida fresca, está claramente apostando tudo na candidatura do Lula, por meio das mesmas ilibadas e confiáveis instituições. É um desserviço, nem que seja porque o aparato estatal brasileiro hoje, sequestrado pelo bom e velho Tio Sam, tem por principal objetivo impedir a volta de Lula, ou seja, o fracasso por esse caminho é certo. Lula é gigante sim, mas o país é maior, vai continuar aí depois que Lula passar para aquilo que chamam de “melhor”. Há que se lutar por ele em paralelo com uma conscientização mais ampla, e é essa que não ocorre. Perde-se a chance de informar o público e explicitar o mecanismo do golpe, dizer a todos: não é Lula, é classe. E o episódio do HC abortivo, então? Resolveram agora idolatrar o “corajoso” desembargador Favreto. Isso é quase tão errado quanto persegui-lo, o que o judiciário já está fazendo, sinalizando que toda decisão pro Lula será punida. E segue a fulanização da conversa, do grande-líder-grande-inimigo, passando pelos onze bobalhões do Supremo (Cármen celebrava serem mais conhecidos que a seleção de futebol), até o mais recente youtuber ou influenciador de internet que falou algo absolutamente inaceitável. Protestos? Só na PF de Curitiba, e se estão de parabéns por resistir, também é verdade que estão dedicados de corpo e alma à figura do Lula e apenas.

Acaba Mundo XX

Hoje são vinte de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Hoje eu me sinto ridículo após o texto de ontem. Tanto por pontificar quanto por percorrer as ruas e ver tanta gente enfrentando a barra da crise na pele, enquanto eu encho a boca bem alimentada para falar sobre normalidade democrática. É claro que uma preocupação não elimina a outra, que se trata de uma falácia, mas sei lá. Com ou sem culpa, fica aquela sensação de que se forma a tempestade perfeita, local e globalmente, e naturalmente quando ela cair vamos olhar para trás e sentir falta daqueles tempos relativamente normais. Hoje no Brasil você pode descobrir que a CNI não tem medo de Bolsonaro (soa familiar?), que uma professora defensora do direito ao aborto seguro precisa fugir de perseguições, e ainda que o tal centrão (que inclui a antiga Arena, nada menos) fechou com Alckmin fazendo Ciro abanar o rabinho pro Lula, e depois de considerar sua prisão absolutamente normal já diz que “não haverá paz” enquanto ela durar. Vamos ver no que dá isso. Alckmin não decola, a elite já aporta em Bolsonaro, mas ele não consegue vencer um segundo turno contra um alfinete. Se um indicado por Lula vencer, é mais um golpe em cima. Pouco motivo para otimismo e para crença na resolução razoável e institucional da meleca toda. Mas nem é meu intento fazer desta plataforma uma cantilena a mais sobre política, preciso diversificar o conteúdo. Vou fazer uma resenha de alguma coisa. Se o mundo não acabar.

Acaba Mundo XXI

Hoje são vinte e um de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Hoje eu queria tirar uns minutos para atacar e defender a tal da Academia. Atacar naquilo que ela se perde e naquilo em que é mesquinha, defender pois sua mera existência como a entendemos está ameaçada pela avalanche neoliberal privatista. A Universidade como projeto é um dos principais adventos da civilização ocidental. Na prática, elas são instituições de ensino, onde se faz também pesquisa, mas o objetivo de pensar a sociedade com uma perspectiva prática, interagir com o lado de fora do muro, quase nunca se cumpre: funcionam num mundo à parte. Não apenas, como todo microcosmo, a universidade e seus departamentos está sujeita aos joguinhos, disputas e sabotagens que parecem às vezes importar mais do que o tema em debate. Ainda assim, com todos seus defeitos, a academia financiada pelo Estado é uma ferramenta de transformação, e uma das coisas mais positivas no tempo do PT foi a construção de novas universidades no interior. O orçamento já vem caindo e muitas são as sinalizações de que o desmonte tende a se aprofundar, à medida que capital estrangeiro investe no ensino privado. É sintomático de um país sendo sabotado. E eu apostando minhas fichas justo na carreira acadêmica, eu devo ser louco. Agora anunciam a Janaína Paschoal como vice do Bolsonaro. É a mesma professora de Direito da conceituada Largo de São Francisco que ficou famosa pelo pedido de impeachment e pela performance alucinada girando uma bandeira ainda na escalada do golpe. Por mim o mundo podia acabar no dia das eleições.

Acaba Mundo XXII

Título: tristram

Hoje são vinte e dois de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. E a literatura, será que acabou? Escapa de acabar? Em tempos de distopia tecnoneofascista? Vai sobreviver como a excentricidade de meia dúzia de excêntricos? Que se dane no fim, mas por enquanto queria recomendar ao eventual leitor das maltraçadas um romance extraordinário. Mesmo, não é só muito melhor que a média, é uma experiência totalmente fora do corriqueiro. Mas antes que eu diga o nome de autor e obra, eu preciso contar sobre meu Tio Tobias, quando ele morava conosco no interior. Tobias criava galinhas, aliás, tem uma história ótima com as galinhas do Tio Tobias, naquele dia em que ele comprou o relógio. Eu preciso falar sobre esse relógio antes de falar sobre as galinhas, pois não se trata de qualquer relógio, porque foi comprado com o prêmio de uma loteria. Aliás, essa loteria… Pois dessa maneira mal imitada o narrador do romance vai deixando o leitor sem chão, mas sempre ávido pelo que vem adiante, mesmo sabendo que as expectativas criadas são sempre frustradas, mas divertindo-se tanto no trajeto que é difícil pôr o livro de lado. O romance usa técnicas inusitadas como deslocar capítulos inteiros para outra parte do livro, e recursos gráficos muito adiante de seu tempo. Trata-se de The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman, do inglês/irlandês Laurence Stern, que escreveu no século XVIII. Aponta-se sua influência sobre Machado no Brás Cubas. Quem tiver a chance deveria ler logo. Antes que acabe o mundo.

Acaba Mundo XXIII

Hoje são vinte e três de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu não estou sabendo muito lidar com isso de me propor uma série para comentar os acontecimentos e me ver tão enojado que prefiro comentar sobre romances. Mas há algo que não ficou ainda registrado e é melhor que seja antes que eu me esqueça. Não só a tal operação contra a corrupção é um proxy das estruturas governamentais americanas, não só tem como objetivo único defenestrar e inviabilizar o PT, como ao que tudo indica ela mesma é essencialmente corrupta. O advogado Rodrigo Tacla Durán, que era do quadro da Odebrecht, tem o que ele alega ser provas de que a “força-tarefa” vendia facilidades nos acordos. A Lavajato se recusa a ouvi-lo. Ou seja, perseguição e extorsão na mesma brincadeira. O Brasil leva a justiça em movimento a novos patamares, e se a turma de Moro merece ser comparada à Máfia, à Gestapo ou à Inquisição Espanhola eu deixo a critério do leitor. Que eu vou cuidar do meu Shakespeare e do meu doutorado antes que o mundo acabe.

Acaba Mundo XXIV

Hoje são vinte e quatro de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu passei um bom tempo trabalhando sozinho, e se eu posso escolher exatamente no que trabalhar, também é de levar à loucura não estar em contato com outras pessoas do meio, até porque ninguém tá dando uma pataca por Shakespeare, que dirá Thomas Middleton. Pois estou feliz por estar na reta da seleção de doutorado, mas ao mesmo tempo é uma insegurança, uma ansiedade, uma cobrança constante. Ou seja, também é de enlouquecer. Quem chegar a topar este texto faça aí seus votos, que eu de cá vou me esforçar para que dê tudo certo. Meu projeto envolve minha tradução da Lucrécia de Shakespeare, que está em andamento e disponível aqui na Leosfera. Trata-se de um poema narrativo, que só tem uma tradução em português, que não segue nem rima nem métrica, de forma que a obra é “quase inédita” e a minha será a primeira tradução “poética”, por assim dizer. Bem, momento “querido diário” à parte, taí o mundo que nem acaba nem toma prumo. Israel prepara alguma espécie de solução final na Palestina, e fala-se até que o Egito vai ceder o Sinai, mas o que é seguro é que aprovaram a lei que faz o Estado ainda mais essencialmente judeu e até a cidadania de segunda classe que árabes podem ter no país está em risco. No passado eu me inflamava pela questão palestina. Pois se eu não posso fazer nada sobre as injustiças que correm aqui mesmo, não vou ficar organizando protesto em embaixada como eu já fiz. Aliás foi divertidíssimo, nós fomos ao supermercado comprar ketchup, que era parte do protesto, e veio um pessoal seguindo, eu fui lá e pedi isqueiro… tinha um tipo caucasiano parado na porta segurando um saco com três maçãs, feito um poste, na cara que tava de olho! A esta altura a Mossad teve ter uma fichinha minha em algum lugar. Não chega a ser o fim do mundo. Que não chega.

Acaba Mundo XXV

Hoje são vinte e cinco de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Pela primeira vez estourou o dia sem coluna, sem parágrafo, sei lá como chamar isso. Não sei muito o que falar, então vou primeiramente desejar muita saúde ao André, grande amigo que enfrenta um problema médico. Nós almoçamos juntos hoje, e agora à noite eu vi outro chapa dos tempos de Unicamp, o Miguelito, num show da Let’s Zappalin. É uma banda que toca Zappa, formada após a saída do Pappon da Central Scrutinizer Band, que tantas vezes já vi, ou vimos, porque o Campeão (Miguel) geralmente estava junto. É preciso aproveitar ao máximo enquanto vivo nesta cidade. Amanhã é dia de comprar ingressos para o Sesc Jazz. Antigo Jazz na Fábrica, no qual já vi Anthony Braxton. Tem Fred Frith e um tanto de coisa boa. É um festival corajoso, está para São Paulo assim como o Jazz em Agosto está para Lisboa. Eu tive a chance de ver duas edições, 2008 e 2009, e isso incluiu John Zorn/Fred Frith (foto) fritando de ácido (eu, não eles). São eventos recheados de avant garde, que cá entre nós, não devia mais assustar ninguém hoje em dia. Amanhã também é dia de embarcar para Brasília, ver pai, irmã, amigos. Então se o avião não cair e o mundo não acabar, amanhã eu escrevo para “todos” vocês de lá. Au revoir.

Acaba Mundo XXVI

Hoje são vinte e seis de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Nem meu avião caiu, então cá estou na tal capital federal. O pior de ser de Brasília é ser hostilizado por aí como se eu tivesse alguma coisa a ver com o mundo da política (e como se não fosse o país todo a mandar os odiados parlamentares para cá). A relação do brasileiro com a política é um caso sério. Esgota-se quase sempre na indignação moral difusa, o que é conveniente para quem não quer a população se informando e debatendo os verdadeiros temas de decisão. Os grandes empresários por seu turno são muito mais desonestos e gozam de status de heróis, geradores de renda e criadores de empregos. Quer dizer, na época em que ainda existia emprego e direitos trabalhistas e essas bobagens. Agora está tudo modernizado. Quero ver como vão estar nossas universidades quando eu terminar meu doutorado. Vou acabar uberizado numa faculdade privada pertencente a um grande conglomerado americano. A menos que, obviamente, o mundo acabe.

Acaba Mundo XXVII

Hoje são vinte e sete de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eis que volta à baila o nebuloso MBL, o qual já li que seria financiado pelos mais nebulosos Koch Brothers. Voltemos ao início. Uma organização surge do nada, promovendo supostamente valores (econômicos) liberais, mas muito mais preocupado em satanizar o PT e apear Dilma. Deposta a presidenta, a sigla, que declarou apoio ao auto-presidenciável do varejo de roupas feitas com trabalho escravo, apenas para não escancarar o compromisso  com o projeto tucano-ianque, retrai-se ao segundo plano. Agora estão fazendo chilique, sem as multidões que reuniam, é verdade, porque o Fecesbook eliminou páginas deles, páginas que de fato tentavam ocultar. Não sei, vejo um monte de gente celebrando, felizes da vida com o Zuckemberg pela medida. Eu não tenho simpatia pela empresa, e acho que é mesmo um serviço decadente hoje. Sei que o Feces apaga contas de palestinos e nem tem problemas em admitir que foi a mando dos governos de EUA e Israel, então meus parabéns não terão tão fácil. Se houve arranjo prévio ou não, algo me diz que esta é a melhor notícia que o MBL poderia desejar para voltar às manchetes e quem sabe tentar retomar suas desestabilizações. O projeto golpista viu que não elege seu favorito nem sequestrando Lula. Moro já diz que eleição atrapalha seus superpoderes, e a ávida mídia corporativa dá-lhe todo holofote. Basta a mínima competência pragmática para ler que ele disse “vamos melar a eleição, galera”. Pois competência linguística tem sido exatamente o problema, é por isso, e não apenas pelo passionalismo, que as pessoas são perfeitamente acríticas hoje (bolsonaristas chegam a amaldiçoar o “pensamento crítico” como ferramenta comunista). Claro que essa questão daria pano pra manga, mas vai aí meu pitaco. Quem sabe eu tente expandir sobre isso eventualmente, seria melhor do que comentar sobre a tal da sigla, coisa que eu nem queria. Mas como eu escrevo para ler a mim mesmo daqui a dez ou vinte anos, não acabando o mundo, precisava bater este cartão. Mais à noite há um eclipse a ser visto. Temos conjunção com Marte e uma lua vermelha, também. Tivemos Super Lua em janeiro, na época em que eu estava piradaço e acreditando em todo tipo de significados místicos. Pois a Lua não é dos amantes, é dos lunáticos. À guisa de recordação, o projeto lunar prometido por George W. já deveria estar alunissando por esta época e ninguém nunca mais mencionou isso. Será que as teorias são furadas mesmo?

Acaba Mundo XXVIII

Hoje são vinte e oito de julho de dois mil e oito e o mundo não acabou. E no que o planeta gira e gira e contorna o que se costumava chamar astro-rei, eis que este rabiscador de bits e bytes lançados assim sem pretensão ao oceano virtual da miséria humana chamado internet…. o que eu ia dizer mesmo? Ah, sim. Faço anos hoje. E se vê que não são poucos pelas expressões antiquadas que insisto em usar. Muito se fala sobre crise da meia idade. Eu acho que é uma besteira. Nossa vida é atravessada por crises, maiores e menores, e particulares a cada trajetória humana. Na meia idade as pessoas começam a ter um saudosismo besta da juventude, lembrando-se apenas dos aspectos positivos, crendo que o que era divertido aos vinte e cinco seguiria sendo aos trinta e oito, como é meu caso. Eu já cometi os erros típicos da mocidade, agora eu quero incorrer nos equívocos de gente grande, dá licença? Afora isso, eu sinto que o tempo de gregarismo universitário passou, e temo que tenha passado até para quem está fazendo graduação hoje, só um palpite. Enquanto a maior parte dos meus contemporâneos partiram para casar e ter filhos e um emprego respeitável, contudo, vosso rabiscador afundou no poço de piche da misantropia, e ainda vive tolamente se debatendo com as instituições de legitimação social do trabalho com literatura, o que talvez seja um indício (bom ou ruim) de que a indignação juvenil com o “sistema” não se dissipou de todo. De qualquer sorte (outro arcaísmo!), cá estou disposto a me render à Cadimia e comer toda a grama que for preciso para ser levado a sério no que faço. O que eu quero é ser lido, e pago, é claro, não admirado ou premiado. E se algum leonauta chegou até aqui lendo sobre nada mais que minha insípida pessoa, só me resta sugerir que recorra às abas ao lado para conferir minhas traduções. Leiam logo, antes o mundo acabe.

Acaba Mundo XXIX

Hoje são vinte e nove de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Dois aviões militares estadunidenses pousaram em Manaus. Ou vão invadir a Venezuela com o beneplácito da camarilha golpista ou seus alvos são as riquezas da Amazônia (bacia sedimentar provavelmente rica em petróleo e certamente rica em genética monetizável). Espero que os receios seja infundados, mas há bons motivos para não descartá-los. Não quero me delongar sobre isso. Quero que o mundo acabe e mais nada.

 

Acaba Mundo XXX

Hoje são trinta de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu queria voltar atrás em algo que escrevi. O MBL não está preparando sua volta triunfal, está só passando vergonha mesmo. Festival de sessenta mil cabeças por Lula, fechado com uma incomodamente atual “Cálice” com Chico e Gil. A Globo tenta omitir como costumava fazer na ditadura anterior. Carmen Lúcia, presidente do STF golpista, me sai com a conclamação que voltemos a ser “gentis”. Ela deve estar confundindo com “cordial”, que quer dizer outra coisa, mas deixa isso de lado. Nos últimos dias estou tentando por duas ideias na cabeça para rechaçar os temores apocalípticos. Penso que o que se passa hoje é a derrocada do que chamamos de civilização ocidental, e quero crer que outras dinâmicas, mais salutares, podem surgir. Senão, será a espiral descendente até a autoextinção e absoluto emporcalhamento do planeta. Outra esperança é que tamanha concentração de renda leve os remediados que se achavam ricos a sacarem que são trabalhadores, e que a ameaça contra eles não são os mais pobres, daí surgindo algum tipo de reação reivindicatória significativa. É esperar. “Remediados” é outra expressão que não se usa mais. Eu fiquei arcaico. E eis que o procurador da lava jato não só admite que a tal delação bombástica do Palocci era um blefe, como também que o advento da delação premiada poupa o trabalho investigativo. Mandou lembranças Jaiminho, o carteiro de Tangamandápio. Ê mundo que não acaba.

Acaba Mundo XXXI

Hoje são trinta e um de julho de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Dia difícil. Parece que o peso de um período desgastante tão prolongado, mais ainda, sem horizonte de terminar, somado à ansiedade da seleção de doutorado, coisa que nunca senti antes de vestibular ou concurso, ou do mestrado, finalmente bateu, ou antes bateu novamente. Essa apreensão, essa opressão, vem em ondas desde março de dois mil e dezesseis. Cheguei a pensar em comentar o polêmico Roda Viva do outrora impensável candidato aqui inominado, mas falta força. Nem tanto por ele, mas pelos entrevistadores e pelas reações. Que siga toda gente em sua bolha pregando aos convertidos. A mim já não importa. Que se acabe esta palhaçada logo. Eu gostaria de fazer um sósia passar pela seleção e tomar uma poção que faça dormir até depois das “putativas” eleições. Por enquanto, vale marcar o primeiro mês do Acaba Mundo.

Acaba Mundo XXXII

Hoje é primeiro de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Muito frio em São Paulo. Eu penso em quem precisa sair às cinco para trabalhar, lembro que só descolei da cama quase à uma da tarde e me sinto meio culpado. Mas avancei bastante no meu projeto de doutorado e estou satisfeito. Também não estou aqui para falar de mim, ontem já foi um momento desabafo, então vamos ver o que merece comentário. Bem, eu me esquivei de falar sobre o candidato fascista, e sua “entrevista” segue reverberando. Você pode achar que ele é burro, mas toda a bancada de jornalistas se acha inteligente e ainda assim foi feita de boba. Não há lógica ou argumento contra Bolsonaro. Ele respondia o que queria, repetia todos os absurdos de sempre e mentia sem pudor, ou seja, aquilo que se esperava dele. O que se esperava da bancada era não entrar no jogo dele e não fazer perguntas invocando a wikipedia ou o mito cristão. A qualidade do jornalismo por aqui está no esgoto, seja pelos mal-intencionados, seja pelos “moderados” sem traquejo na coisa. E quanto às reações? Bem, tem um tanto de gente que se limitou a repetir que Bolsonaro “é burro”. Não sei o que resolve. Há as análises que apontam que ele nadou de braçada, temendo mesmo que cresça. Não sei. Ideologicamente eu acho que não cresce, já constituiu seu nicho. MAS, se as coisas caminharem para um segundo turno entre ele e o indicado do Lula (é agosto e não sabemos os candidatos!), eu vejo todos os antipetistas fanáticos desaguando na candidatura dele, aí não sei. Acho ridículo levarmos eleições a sério. A estratégia do PT é argumentar com o valentão da escola, já devia saber que as cartas estão marcadas contra eles. Que importa qualquer coisa agora, o país está sequestrado e o processo golpista vai se estender no tempo. Parece que tem gente que acredita que o consórcio ditatorial vai simplesmente pedir perdão e devolver as chaves. Acho mais provável o mundo acabar antes da eleição. Se houver.

Acaba Mundo XXXIII

Hoje são dois de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Ou acabou, para mim, ao menos para meus planos de doutorado, uma vez que a Capes anunciou o que eu já temia: mesmo a merreca de bolsa que eu esperava ter é coisa do passado. Nada mais previsível quando o objetivo é sabotar o país, quando mesmo o ensino médio vai se limitar às primeiras letras e contas, se muito. Mudo pra Bolívia? Falo sério. Aproveitar o pouco que resta de Pacha Mama, considerando que oficialmente o ser humano usa os recursos do planeta mais do que ele pode se recuperar? Pois a outra notícia relevante do dia é essa. Eu poderia mencionar a repercussão da entrevista do Ciro, ou dos conchavos petistas para atrair um PSB que votou em peso pelo golpe, mas ora, isso fica pequeno. Resta-me seguir nos processos seletivos como se nada acontecesse. Não é o que temos feito, todos? Empurrando com a barriga como se nada estivesse acontecendo? Pois ainda bem que assim como Brás Cubas não compartilhei com criatura alguma o legado de nossa miséria, que aliás desde então só se agigantou. Então nem preciso pensar em minha prole quando desejo que o mundo acabe em definitivo.

Acaba Mundo XXXIV

Hoje são três de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu ainda não comentei sobre o PSol. O PSol teve minha simpatia desde que o PT entrou tomando medidas neoliberais e expulsando os recalcitrantes. Eu vejo muita gente boa no partido de fato, e as causas certas sendo defendidas, mas também tem umas coisas que dão no saco. Por exemplo, o discurso moralista raso, como se fosse uma questão de personalidades e caracteres, e não sistemas e fluxos de poder. O partido é também, não sendo calejado no executivo, um pouco descolado da realidade, prometendo feitos como reforma agrária como se uma canetada bastasse e não fosse necessário enfrentar uma resistência tremenda. Outra bad certamente foi o que ocorreu no Rio em 2014, quando o partido atraiu um bombeiro que fora líder grevista e o elegeu antes de descobrir que era um bolsonarista e fanático religioso, optando por expulsá-lo. Nessa o Renato Cinco, em cuja campanha me envolvi, ficou de fora. Na mesma eleição, Freixo não saiu para federal, poderia ter levado uns dez com sua votação. Quem sabe desta vez. A Marielle era uma liderança orgânica, justamente o que faz falta, e foi ceifada jovem. Tem o Boulos agora, bem, nunca disse nada de que eu discordasse. Ele tem espaço para ser conhecido mais adiante, talvez salve o partido de patinar pra sempre, mas isso parece longe. O Psol tem é que escapar do facão da cláusula de barreira, o resto a gente vê. O que não me conforma mesmo é o ódio que alguns petistas têm do PSol. Primeiro que deveriam agradecer por ter uma crítica à esquerda, para não descolar do solo, segundo que o partido denunciou o golpe desde o início. Mas parece que partidos de esquerda precisam se bicar desde o Judean People’s Front e o People’s Front of Judea do Monty Python. Acaba mundo!

Acaba Mundo XXXV

Hoje são quatro de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. O país se aproxima das tais eleições e fica a impressão de que está tudo bem, daqui a pouco alguém vem falar em “festa da democracia”. Eu mesmo tenho cada vez menos vontade de comentar sobre nada, especialmente os anúncios de alianças e vices e essa baboseira toda. No entanto, achei positivo o anúncio de que Manuela seria a vice de Lula e Haddad o plano B do PT. Agora é aguardar como vai ser a transferência de votos. Talvez até eu mesmo vote neles. Sendo as circunstâncias como estão, talvez faça mais sentido do que dar o voto ao Boulos, que não vence mesmo, poderia fazer diferença na definição do segundo turno. Eu preciso ir ao Rio para votar, então devo dar uma força ao Tarcísio e ao Renato Cinco, que agora deve ter chance de entrar para Federal na esteira do Freixo. Para estadual eu não faço ideia, mas seria legal votar em alguma mulher do partido. Agora se o Haddad vence, será que vão aceitar? Essa é a pergunta.

Acaba Mundo XXXVI

Hoje são cinco de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu finalmente li o livro do JP Cuenca, Descobri que Estava Morto. Eu soube dele pela primeira vez na Flip, aquela que teve uma homenagem constrangedora a Shakespeare, comprei o livro, manchei de vinho e depois nunca li. Meses atrás eu soube de um curso de crônica com ele e participei. Foi por conta disso, basicamente, que eu voltei a me arriscar a escrever. Bem, agora eu li o livro. É um romance muito bom, com verve. É como se a premissa do Colonel Chabert do Balzac fosse narrada pelo Homem do Subsolo do Dostoievsky e ambientada no Rio surreal. Cuenca detona nossa sociedade, detona a si mesmo e não deixa nada de pé. Seu volume de crônicas A Última Madrugada também é uma boa pedida. Eu preciso sempre tirar umas férias das coisas de quatro séculos atrás na Inglaterra para ler o que está sendo feito por aqui e por agora. Nunca se sabe quando o mundo vai acabar, afinal.

Acaba Mundo XXXVII

Hoje são seis de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu enviei o projeto de doutorado à professora. Me sinto um picareta, é claro. Vamos ver no que dá. E torcer pra ter bolsa depois. Eu nem sou maluco pela academia, não, mas esse é o único caminho para ter meu trabalho levado a sério. Às vezes eu acho mesmo que devia ter continuado no meu emprego público com um dinheirinho seguro ali pelo resto da vida. Bem, os franceses chamam de l’appel du vide, a vontade de se jogar no nada. Às vezes parece que estou caindo até hoje. Mas até aí, não estamos todos? Acaba mundo!

Acaba Mundo XXXVIII

Hoje são sete de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Hoje eu fiz minha inscrição na USP e, se eu for aprovado e escolher fazer lá, devo ser orientado do maluco do John Milton, com quem não simpatizo muito. Depois que eu fiz um escarcéu por conta do Hamlet do outro rapaz lá é que me tornei persona non grata mesmo. Quero ver como vai ser reencontrar toda essa gente. Que se danem. Hoje foi a maior comoção aqui onde eu moro porque um prédio ameaçava desabar. Espero que não desabe o meu, que está caindo aos pedaços mesmo. A administradora promete que a obra vai começar, mas o hall da entrada aqui está praticamente a céu aberto. O mais desagradável do episódio todo foi ter helicópteros sobrevoando minha cabeça, que já são muitos de corriqueiro, mas hoje foram irritantes. Ao menos eu pude mandar dedos à aeronave da rede golpe. No fim nem o prédio caiu nem o mundo acabou. Quando eu criar um fôlego eu falo sobre política, mas adianto que o clima pelo meu twitter é de euforia com a escolha da chapa petista. Parece mesmo que não há nada errado em Banânia. Que o mundo não está para se acabar.

Acaba Mundo XXXIX

Hoje são oito de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. A PGR de nome gringo se revelou uma engavetadora muito mais ávida do que o, por que não dizer, saudoso Brindeiro, que ao menos não sujava as mãos com perseguições inquisitoriais. Feliz de estar longe daquele antro, na verdade. Ainda por cima eu soube outro dia que a moça por quem eu era apaixonado largou de fato o marido, mas por outro colega, um que dirigia pro Janot e andava armado e visitava a disney com regularidade. Que importa? Nada. Ficam os sonetos. Eu não quero nunca mais me apaixonar. Absolutamente nunca. Eu olho pra trás e me sinto ridículo, é hora de por fim a essa jejunosidade, para emprestar o termo do Woody Allen. Pedófilo convicto esse puto. Eu não me devia me sentir mal por enviar versos e rosas de vez em quando. Mas chega. Tem sido bem confortável mergulhar na misantropia. Mas eis que de repente hoje eu vou a uma casa noturna depois de muito tempo (ok, excetuado o Let’s Zappalin no Jazz nos Fundos, que esqueci de comentar) pra ver o grande Carlos “Big Papa” mandando um funk-fusion na discotecagem do Kaia. Compro discos com ele e com a Kátia há muitos anos, sempre são longos e saborosos papos. Faço a propaganda mesmo. Big Papa Records, Galeria Nova Barão, 7 de Abril, República SP.

Acaba Mundo XL

Hoje são nove de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Porra, eu escrevo aqui prometendo ir à balada do Big Papa e sucumbo à preguiça depois de abrir uma garrafa. Puta vacilo. Mas como eu mencionei ontem, tempo atrás eu fui ver o Let’s Zappalin tocar no Jazz nos Fundos. É a banda formada pelo Rainer Pappon ao sair da Central Scrutinizer Band. Fui com o Miguel, que me chamou para o primeiro show nosso da Scrut em Vinhedo, lá pelos idos de dois mil e bola, com meiota na cabeça, e esteve comigo em tantos outros desde então. Os músicos mudaram um pouco, e agora além do filho arrebentando no teclado tem a filha dele mandando no vocal, e a cozinha é outra. Eles são bem ousados no repertório, e além de clássicos do One Size ou Roxy eles tocam Ship Arriving Too Late to Save a Drowning Witch ou Marqueson’s Chicken do lado mais obscuro. Eles tocaram muito, mas não curti o som do lugar como ficou, talvez tenham pisado na bola no dia, mas achei que ficou chocho. Tinha pouca gente também, o que é uma pena. Ontem rolou uma boa notícia, um editor se interessou em ler meu Hamlet. Dedos cruzados. Muita merda pra mim. E pra todos vocês. Hoje rolaram duas estrofezinhas de Lucrécia, retomando a tradução interrompida pra me ocupar do projeto. Vai estar pronta antes do fim do mundo, ou do ano mesmo.

Acaba Mundo XLI

Hoje são dez de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Hoje uma moça do Greenpeace me abordou. Eu devia dizer me dá o green que eu fico em peace. Ou devia ter feito propaganda do Acaba Mundo quando disse que queria que o mundo acabasse logo. Ou devia ter pedido o telefone dela. Ainda se pede o telefone dos outros nestes dias? No Rio uma vez eu fiz o cadastro da Anistia Internacional só pra cantar a moça e não consegui nada. Paguei durante vários meses. Talvez foi essa trauma. Talvez foi o trauma do Médicos sem Fronteiras, que era de fato golpe. Mas não, lá fui eu pontificar sobre como nem mesmo toda a preocupação ambiental levada a sério por todos resolveria alguma coisa, como não adianta culpar a indústria se quem consome os produtos somos nós, e mais um tanto de baboseira. Quem sabe eu não devesse assumir que o Greenpeace é uma tremenda conspiração comunista globalista e ver no que dava. Eu não sei qual é a deles na verdade, mas me parecem aquele tipo de contestação que o capitalismo adora. Afinal, tudo vai bem, o que precisa resolver é que os japoneses seguem caçando baleia. Tá bom. Caramba. Ela tinha um cabelo cacheado, vermelho. E ainda comentou sobre a camiseta do Klimt! Trouxa. Acaba Mundo! Acaba Greenpeace! Acaba eu!

Acaba Mundo XLII

Hoje são onze de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Eu escrevi dois mil e dezesseis agora, será que é vontade fazer o tempo voltar? Dois anos atrás o impeachment sem crime, ou golpeachment, estava já no senado. Tem sido uma sensação de pesadelo desde então. O país sempre foi disfuncional, isso é bem verdade, mas o que irrita neste ciclo atual de anormalidade institucional é a desfaçatez. Olha, seria trabalhoso e demorado fazer uma retrospectiva de todas as declarações em que figuras públicas defecaram e caminharam para a lógica e para qualquer receptor a preze igualmente. Talvez eu devesse, porque, afinal, se eu comecei a série para comentar os acontecimentos e o (assustador) espírito do tempo, tagarelar sobre besteiras da minha vida pessoal não vai levar muito longe. Fica como desafio a mim mesmo, mas por ora quero comentar uma específica. Não chega a ser uma declaração, é mais uma revelação pública de um comentário privado, mas atente ao fato de que a informação não foi desautorizada, e à peculiaridade de que a notícia, talvez fofoca, encontrou espaço na mídia golpista, e não nos blogs petistas interessados em desacreditar a “autoridade”. Estou falando do desembargador Gebran Neto, que de acordo com nota da Veja, admitiu a amigos que “não seguiu a letra fria da lei” ao impedir que Lula fosse solto por um HC, o que ele chama de “mal maior”. Tempo atrás um desembargador plantonista acatou um HC, muito frágil, na verdade, para a soltura de Lula. Moro, juiz de instância inferior, matou no peito, o plantonista retrucou e aí Gebran Neto pôs o pau na mesa e evitou seu “mal maior”. Tudo isso foi num domingo. Deve ter sido ele mesmo que mandou publicar a nota, só para tripudiar, sentir-se poderoso. Toda essa alta casta do judiciário está vendendo a partida ao adversário tal o Peru vendeu uma goleada à Argentina, e a paga deles é basicamente a vaidade, a húbris corporativa. Dinheiro, eu não duvido, mas é mais aquilo que o diabo do Pacino chama de seu pecado favorito. A Veja acaba logo, a Abril já abriu as pernas. O desembargador vai continuar desembargando. E a desfaçatez vai seguir rolando solta. Acaba mundo.

Acaba Mundo XLIII

Hoje são doze de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Bem, o faux pas do Gebran está levantando polêmica. Como também deu o que falar a entrevista do diretor da PF, Rogério salloro, o qual revelou que Dodge e Thompson Flores (PGR e TRF-4) telefonaram-lhe pedindo o descumprimento do HC, e ainda que no dia da prisão Moro insistia pela invasão do sindicato para pegar Lula na bala, antes que ele se entregasse. Resta saber se as críticas indignadas não vão circular pelas mesmas vias e dentro das mesmas bolhas de modo a atingir quem que estava desde sempre disposto a indignar-se. Chama-se pregar aos convertidos. Às vezes eu leio gente dizendo que está disputando uma batalha no twitter. Baboseira. Sabe o que era uma luta justa? Transmissores FM, vários deles, itinerantes e indetectáveis. Isso era uma tática bacana. Ou talvez não. Em tempos de pós-verdade, cada um vive na sua virtualidade de eleição. Aliás, virtualidade de eleição é o que domina a pauta por esses dias. O debate na Bandeirantes seguia sendo reprisado dias depois, e a contribuição mais significativa que deu foi de celebrizar a figura do Cabo Daciolo, um Mini-Me do Bolsonaro ainda mais alucinado. O mesmo que o Psol abrigou e ficou com uma vaga de deputado que poderia ter sido do Renato Cinco, que não seria expulso. Uma de suas asneiras produziu um volume até cansativo de piadas, a tal União das Repúblicas Socialistas da América Latina, ou URSAL, uma teoria conspiratórias que remonta ao indefectível Olavo de Carvalho. Parece que essa escola de não-pensamento já acomoda mais de um candidato. O risco é agora ficarem dando tanta atenção aos absurdos de um e de outro que eles acabem por dominar o não-debate. Daciolo tem tudo para não ter maior impacto, mas hoje já não confio na minha própria lógica para prever os eventos. Se os evangélicos começarem a levá-lo a sério, talvez ele possa ter um crescimento significativo. Se for às custas de seu mentor, isso não seria mau. Enquanto isso, o PT mantém Lula como candidato e aposta que convencerá a Globo a acolher o Haddad como preposto no debate. É uma insanidade que lhes pode custar uma boa chance de eleger “aquele que o Lula mandar”. Mas não se pode descartar de todo que a própria eleição tenha seu plano B, e já bem delimitado.

Acaba Mundo XLIV

Hoje são treze de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Num episódio anterior, comentei sobre as aeronaves estadunidenses pousando em Manaus. A nota, espartana, vinha de um veículo local, e não foi tratada pela mídia tradicional, o que pode significar tanto que era falsa e eu caí como todo internauta de gatilho fácil no mouse quanto que a informação é tão verídica que os veículos lacaios do consórcio golpista não poderiam mesmo noticiar. O que faz pensar sobre a divisão de responsabilidades pelo ambiente de pós-verdade, geralmente atribuído a grupelhos de internet, sejam sinceros ou de aluguel. Seja o que for, eis que agora aporta em solo brasuca o chefe militar dos godemes, James “Mad Dog” Mattis, para fiscalizar a entrega de um país por breves anos soberano, dono de suas escolhas, goste-se delas ou não, de volta à subserviência abjeta aos donos do continente. Pois é justamente por estar definhando em termos de superpotência global – recado do general: afastem-se da China! – que os EUA precisam apertar o torniquete na América Latina, nós sendo obviamente o cliente mais importante no bloco. Se a visita aponta uma ação contra a Venezuela, o tempo vai dizer. Nem atentado por controle remoto tem funcionado, então por que não pôr tropas no chão? Ocorre que esse chão é a Amazônia (e um enorme maciço cristalino), o que por si só já afasta em grande medida essa possibilidade. A menos que a missão seja mais de prospecção do terreno, de reconhecimento dos potenciais geológico e genético. De qualquer forma, mesmo que os piores medos não se concretizem, não há motivo para crer que boa coisa se avizinha, sabendo que vivemos uma plena ditadura – muito pouco acusada com todas as letras – e que os ianques querem deixar clara a tutela. Faz pensar se tem sentido debater eleição. Mas até aí, qual é a alternativa? Luta armada? Cada um leva o laptop pra praça pra enfrentar a polícia? Pelo verbo é difícil, providenciaram que o ruído fale mais alto, e mesmo muita gente que acusa o golpe, talvez mais preocupados com um partido do que com o país, não sai daí, do nível do ruído, da gincana macabra. E mesmo que alguém se faça ouvir, quem quer escutar? Podia acabar tudo de uma vez.

Acaba Mundo XLV

Hoje são quatorze de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Achando que nosso grotesco estava trágico por demais, os deuses do Jaraguá resolveram jogar mais uns tons de ridículo. Cabo Daciolo aparentemente meteu na cabeça oca que os Illuminatti têm sua cabeça oca a prêmio, e foi se refugiar e jejuar no alto de um monte. De absurdo em absurdo, o fanático vai ganhando exposição, se por cálculo ou descontrole completo já é difícil de dizer. Os guerreiros de twitter, nesse tempo, querem a responsabilização das autoridades do judiciário golpista pelas mãos das autoridades do judiciário golpista. Só o MST se mobiliza para marchar no chão real, e o Perez Esquivel se junta a eles. No plano internacional, figuras como Ken Livingstone, trabalhista britânico, mandam mensagens, mas não sei até que ponto há jornalistas noticiando o rol de ilicitudes estatais persecutórias que temos vivido. E cá entre nós, quem quer levar nosso país a sério se a imagem que projetamos é de terra da fantasia tropical, e país das travestis, ou da depilação com cera, de um tempo para cá? Basta ver a cobertura de geopolítica, mesmo do Diplo, mensal de esquerda francês, nós quase nunca somos mencionados, e a verdade é que o enjeux geopolítico mais crucial de hoje se dá em torno do Brasil: os EUA querem retomar o aperto em seu continente e sabotar os BRICS. E mesmo aqui mal se fala disso. É como se fosse um jogo entre determinadas personalidades, boas ou más. Mas alguém sabe da importância do nosso país, pelo menos: Steve Bannon, o cara que inventou Trump com técnicas cibernéticas, veio se encontrar com Eduardo Bolsonaro (terá vindo no avião oficial com o Mattis?). Some a isso a impressão que tem passado a elite local de abandonar o chuchu e desembarcar no capitão, o que eu já alertava há tempo, e bem, façam vocês a aritmética toda. Eu só queria entrar na cabine e encontrar a urna dizendo FIM, e confirmar. Acabou-se o mundo.

Acaba Mundo XLVI

Hoje são quinze de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Hoje eu encontrei o André, um amigo da Unicamp que enfrenta um problema de saúde, e nós fomos ao Masp ver a exposição Histórias Afro-Atlânticas. Na entrada eu me deparei com uma conhecida. Uma que eu já tinha pensado em chamar para sair. Ela certamente já manjou isso há muito tempo, e manda aquelas indiretas para me dissuadir. Hoje ela disse que estava grávida bem no momento em que eu quase me decidia a tentar a sorte. Sobre a exposição, me pareceu uma coleção de olhares europeus sobre negros salpicada de artistas negros para representar, mas talvez essa tenha sido a impressão com a primeira das salas e estou sendo injusto. É uma boa exposição decerto, mas não será daquelas que marcam época. Quanto ao André é um grande camarada, é professor da USP-Leste e a gente nunca ficou muito tempo sem se falar, ou mesmo se ver, desde mil novecentos e noventa e nove, quando ninguém fazia ideia que o mundo ia acabar. Uma vez eu pisei na bola com ele: tínhamos tomado chá de cogumelo num grupo de quatro, ele saiu para beber água, começou a demorar e eu decidi que sairíamos dali e que ele não teria dificuldade em nos achar. Ele nunca nos achou, voltou pra casa numa puta bad. Por isso eu digo, amiguinhos, união na hora da trip. Não se deixa ferido no campo de batalha. Mais do que isso é só esperar que o mundo BUM.

 

Acaba Mundo XLVII

Hoje são dezesseis de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Não chega a ser o fim do mundo, mas roubaram minha bicicleta. De fora da Biblioteca Mário de Andrade, como se não tivesse cadeado algum. Vou comprar logo outra, porque estou curtindo me locomover em São Paulo de magrela. Às vezes você se acostuma a andar de metrô apenas e nem sabe onde as coisas ficam, só como chegar. É legal cruzar a Paulista, descer a Consolação e descobrir-se no Centro, Minhocão, República, Sé, Liberdade… sendo que esses locais eram entidades mais ou menos autônomas na sua cabeça. Hoje também retomei o curso de crônica com o Cuenca, o mesmo que foi, uns dois meses atrás, de fato um estopim para voltar a escrever depois de muito tempo. Ontem eu não comentei, mas uma bonita multidão vermelha tomou Brasília em apoio à candidatura natimorta do Lula. Ele merece apoio, mas a minha impressão é que o país vive um estado de exceção, mas tudo deve ser posto em termos de amar ou odiar o Lula. É raso. Sempre foi raso, mas agora, as consequências de agir sem fazer o debate correto são as mais funestas. Mas ora vejam, pontificando de novo, Leonardo! Acaba com isso! Acaba mundo!

Acaba Mundo XLVIII

Hoje são dezessete de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Esta fotografia fica sempre aparecendo quando eu manipulo meu fecesbook. Ontem ela surgiu, e me impeliu a reservar o episódio de hoje para uma homenagem ao Alexandre Piccolo, recém saído da defesa de doutorado no instantâneo e levado de nós precocemente após batalha contra um câncer. Omnes eodem cogimur – Todos têm o mesmo fim, segue no meu chat de gmail ao lado da foto dele. Ale foi da turma Computação 96 na Unicamp, a turma do meu irmão, e em pouco tempo eu frequentava o apartamento, em que cheguei quase a me instalar, que ele dividia com dois outros goianos, Fers e Serjão (posteriormente o Fissurinha, apelido que eu botei). Filmes ou videogames acompanhados de baseados eram atividades mandatórias. Entretanto, podíamos ter nossos interesses mais “nobres”, como xadrez e literatura, e a partir deste último interesse o Alexandre, entendendo de programação, elaborou o site aPatada, que reuniu um grupo de amigos dispostos a escrever e ler uns aos outros, formando também uma apreciável comunidade de leitores. A segunda plataforma por ele lançada foi o Piparote, que acabou sendo mais reservado, e teve vida mais breve uma vez que o tempo e as formaturas vão esparramando as pessoas. Àquela altura Alexandre já terminara Computação e entrara na sequência em Letras, no IEL, onde prosseguiria sua formação até o doutorado, em que ele, latinista, dedicou-se a Horácio. Era um homem que prezava a busca humilde pela sabedoria, mas teve a sabedoria de na juventude se permitir uma vida com intensidade. Foi uma perda para mim e uma perda para a Academia – ele havia acabado de ser admitido na Federal de Juiz de Fora. Para piorar as coisas, a família dele não permite acesso a seus arquivos, a viúva está atônita e até a UFJF já os acionou judicialmente. Meus trabalhos que eu, descuidado, não salvei, e só existem lá agora não chegam a ser importantes, mas eu gostaria muito de recuperá-los para republicar o que ainda me agrade. Problemas à parte, reitero minha homenagem a este grande sujeito grande, de quase dois metros e um coração bom. Amanhã eu escrevo sobre a decisão da ONU a favor de Lula. Se o mundo não acabar.

Acaba Mundo XLIX

Hoje são dezoito de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Ontem o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas emitiu decisão favorável a Lula recomendando/determinando (conforme cada lado) que o Estado brasileiro garanta os direitos políticos do ex-presidente enquanto não se esgotarem seus recursos. O que se viu desde então foi um bocado de euforia de alguns, reticências de outros, eu inclusive, direitistas boçais desqualificando a ONU (Bolso prometeu sair do organismo), notas de Itamaraty e Ministro da Justiça fazendo pouco e Globo et caterva tentando fingir que não aconteceu. O debate gira em torno da questão: obriga ou não obriga? Para quem acha importante não ficar com o nome sujo no SPC global, obriga. Para quem instaurou uma ditadura que já dura dois anos, era natural receber uma condenação em algum momento. Este é só o primeiro passa-moleque de muitos que virão. Não só é quase certo que nosso país vai ignorar a decisão e passar a ser visto cada vez mais como um regime ilegítimo, como é de preocupar se a sentença que estão a comemorar não marcará o início do endurecimento. Não acompanhei o debate, mas soube que Bolso foi mais atacado, e tinha “pesquisa armas lula” anotado na mão. Boulos voltou a defender Lula e teve desempenho elogiado, ficando com Marina o troféu aparentemente por ter enquadrado o ex-capitão (muito embora recorrendo à Bíblia). Haddad poderia estar no debate se o partido tivesse oficializado seu nome, é verdade, mas o pronunciamento da ONU faz a insistência em Lula ao menos parecer fazer mais sentido. E o que é que faz sentido hoje? Eu disse que me sentia um picareta mandando meu projeto de doutorado à professora outro dia. Eu era. Eu sou. Estava uma bosta. Eu devia ser caixa de supermercado.

Acaba Mundo L

Hoje são dezenove de agosto de dois mil e dezoito e o mundo não acabou. Mas a ONU acabou, pois segundo a rede golpe a decisão sobre Lula é “fake news”. Pós-verdade é isso, pode-se inventar ou desqualificar a verdade que for. Basta atacar a jugular do viés de confirmação do seu público. Eu falei sobre o “primeiro passa-moleque”, mas não é verdade, a ONU já se pronunciou contra a reforma trabalhista e a pec do fim do mundo. E, para os que só enxergam unicórnios saltitantes quando olham para trás, o Brasil sob PT já mandou às favas determinação do mesmo comitê de DH acerca de Belo Monte, ou belo monstro. O mais enervante nessa conversa toda é que a decisão saiu numa sexta feira, ficando o fim de semana meio em suspenso, todos aguardando os desdobramentos que virão a partir de amanhã. E nessa eu vou adiando a responsabilidade com meu projeto de doutorado. Anteontem eu perdi o ingresso para o Henry Threadgill e não posso me perdoar por isso. Mas ontem rolou uma jornada dupla. Primeiro eu vi o Itiberê Swarg e Grupo no Sesc Jazz. Ele é o baixista do Hermeto há décadas e seu show na minha opinião é até mais animado que o do mestre. Sete músicos em cena, nenhum toca apenas um instrumento, todos com grande técnica e maravilhosa sensibilidade. Na sequência me toco pra Pinheiros, um certo lugar bem curioso chamado Espaço Rio Verde, visual art neuveau, onde tocaria a Central Scrutinizer Band, a qual eu já mencionei quando falei da Let’s Zappalin. A banda, desde que eu a vejo, virada do milênio para cá, perdeu e ganhou alguns músicos, mantendo sempre o mesmo espírito aceso. Então vamos falar dos músicos: Mano Bap canta como um feladaputa e assumiu a puta responsa de ser a única guitarra a emular o gênio quando saiu o Rainer Pappon. Cadu Bap, seu irmão, canta muito e toca sax alto. Mago dos saxes e flauta, Hugo Hori, do Karnak, encanta com suas frases precisas. Outro do Karnak, Marcos Bowie cantava agudo e tocava trompete, e o Marcelo Ringel foi o barítono muito tempo, mas ambos deixaram a banda, o que é uma pena, porque a gama de sons se estreitou. Caio Góes é um monstro no contrabaixo e mereceu o apelido da banda de “muro de arrimo”. Eron Guarnieri está nos teclados há um bocado de tempo já, mas houve outros. Na sua discrição, o cara faz miséria em seus sintetizadores. Cláudio Tchernev pilota a batera desde sempre, e é curioso acompanhar a evolução de seu estilo, de mais explosivo e cheio de notas a intimista e minimalista. Por fim, apresentado como convidado especial, talvez em função de seu compromisso com a Osesp, Ricardo Bologna é, já há algum tempo, a peça que faltou por muito tempo, o percussionista. São vinte e oito anos de banda e isso não é pouca coisa, considerando que Zappa é para meia dúzia de excêntricos. Às vezes ficam pensando como seria se Zappa estivesse aqui para reagir a Trump. Eu digo nada disso, deixa o narigudo em paz. Além do mais os tempos são outros, e eu mesmo tenho já que fazer um esforço para não prestar atenção ao sexismo de várias letras. Vamos mantê-lo vivo ouvindo e tocando sua música.